sábado, 1 de dezembro de 2012

Entrevista: Ruy Cabeção

Foto: Lairto Martins
Ruy Bueno Neto começou a carreira no América/MG. Ganhou fama nacionalmente após se destacar com a camisa 2 do Botafogo, onde se tornou ídolo. Após passagens por grandes clubes brasileiros, acaba de disputar a Série C pelo Brasiliense-DF. Aos 34 anos, o experiente jogador revela bastidores da relação entre jogador e empresário e o desejo de ser treinador futuramente. Abaixo, você confere a entrevista exclusiva que o Cabeção deu para O Agonizante.

O Agonizante: Hoje, você tem contrato com alguém? Surgiu alguma proposta ou sondagem?

Ruy Cabeção: Estou sem clube. Sondagem tem, mas proposta concreta ainda não.

OA: Está esperando o ano terminar para decidir?

RC: Não. Estou esperando uma coisa bacana. A gente tem que analisar tudo, o time, o campeonato que vai ser disputado. Não estou trabalhando mais com escritório, não tenho nada assinado com nenhum empresário mais. Então, é direto comigo mesmo.

OA: Você passou por grandes clubes como Cruzeiro, Botafogo, Fluminense e Grêmio. Mas foi no Botafogo que você conseguiu destaque nacional. Foi a sua melhor passagem?

RC: Foi, porque a identificação com a torcida era e é muito grande. Mas, tiveram outros clubes em que eu tive momentos bons também. No próprio Cruzeiro, eu tive muitos, mas por ser mineiro, ser prata da casa do estado, o reconhecimento às vezes não é o mesmo. O Grêmio também, fiquei pouco tempo, mas fui eleito melhor lateral do campeonato gaúcho. Não tem um time específico. O carinho maior que eu carrego até hoje é da torcida do Botafogo.

OA: Você é lembrado pelo jogo da final do Carioca de 2006, no qual mesmo machucado, permanceu em campo. Foi o momento ou o jogo mais marcante da sua carreira?

RC: Tive muitos. Eu sou um jogador que tenho um reconhecimento maior do torcedor. Em Minas Gerais, algumas pessoas vinculadas à imprensa - eram minoria, mas de meios importantes - infelizmente tinham problemas pessoais comigo.  outros não reconheciam, prefiriam falar mal. No Cruzeiro, eu fiquei marcado por ter participado da jogada do gol de despedida do Sorín. No título mineiro do América/MG, eu que fiz a jogada toda sozinho para o gol do Alessandro. No Botafogo teve esse jogo. No Figueirense, quase fomos campeões da Copa do Brasil. E no Grêmio, a gente chegou a uma semi-final de Libertadores e foi a minha primeira. Cada time tem um momento.

OA: A sua passagem pelo Fluminense interferiu na relação com a torcida alvinegra?

RC: Não, de forma alguma.

OA: Foi bem recebido nas Laranjeiras?

RC: Sim. Tenho o respeito do torcedor por ter feito parte do grupo de 2009, que se livrou do rebaixamento.

OA: No início você era só Ruy, depois adotou o Cabeção. Alguma vez o apelido incomodou?

RC: Não. Esse apelido começou com a torcida do Cruzeiro, mas foi se firmar mesmo no Botafogo. Eu carrego desde criança, o pessoal da minha rua, do meu bairro, sempre me chamaram de Cabeção. Então, nunca incomodou não.

OA: Você falou do Grêmio, onde começou muito bem, marcando dois gols nos dois primeiros jogos. Depois saiu no meio do ano. Porquê?

RC: Eu saí exclusivamente por culpa do treinador. Eu tive um desentendimento com ele na semi-final da Libertadores. Eu iria ficar treinando em separado, mas o Celso Barros (presidente da patrocinadora do Fluminense) me ligou pedindo para ajudar o time e me ofereceu dois anos de contrato. Foi por isso que eu saí, se não, teria continuado lá. A diretoria, os jogadores e a torcida gostavam de mim.

OA: Se arrepende de ter saído do Grêmio naquela época?

RC: Não é questão de se arrepender ou não. Eu gostava muito de jogar pelo Grêmio. Na minha estreia eu fiz um gol, fui muito bem no Estadual, era titular absoluto, tinha muita coisa boa que poderia acontecer. Infelizmente, apareceu mais um treinador para atrapalhar minha carreira, mas é vida que segue e serve de aprendizado.

OA: Você ficou conhecido por jogar na lateral. Depois, passou a atuar como meia. Como foi essa transição?

RC: Nos últimos quatro ou cinco anos, eu venho jogando mais como segundo volante ou meia direita. Mas, querendo ou não, sempre um treinador me pede para atuar na lateral. Isso vai mais por questão do elenco. Para mim, jogar no meio de campo, não foi nenhuma novidade. A minha categoria de base foi toda feita como meia direita. Quem me colocou como lateral direito foi o Vanderlei Luxemburgo, na época em que estava em falta no Brasil. Ele achava que eu poderia ser feliz ali. E realmente fui.

OA: Você falou que passou a jogar de lateral por causa de uma opção do Luxemburgo. A posição de lateral ainda é carente?

RC: Hoje, não. Logo após a época do Cafu, não tínhamos laterais-direito no Brasil. Agora, a gente tem o Daniel Alves, o Maicon, que apesar da idade é um dos melhores na posição, e alguns meninos bons que estão aparecendo.

OA: Quais as principais diferenças entre atuar na lateral e no meio?

RC: Infelizmente, o lateral é muito dependente do meio de campo. Se ele não tiver volantes e meias que balancem o jogo, de um lado para o outro, vai morrer de fome. Já, o meia não, é o coração do time, do futebol mundial. A bola está sempre passando por ali. Você tem condição de participar mais da partida com a bola no pé.

OA: Acha que ainda tem vaga para você em algum clube da primeira divisão?

RC: Sinceramente, para jogar em um clube de ponta está complicado. O futebol está monopolizado. Existem alguns empresários no futebol brasileiro que para o jogador entrar em um time grande, tem que passar por eles. E o exemplo serve para mim. Quando deixei de trabalhar com meu empresário, que tinha se vinculado a um outro, grande no meio do futebol, a dificuldade de arranjar espaço na Série A ficou maior. Ele passou a não querer trabalhar comigo por conta da minha idade e por não trazer nenhum retorno a eles. Voce vê jogadores tecnicamente de niveis inferiores, mas que podem dar um retorno para os times e empresários, que tem vaga garantida (nos clubes) e ficam pulando de um para o outro, até atingir 30 anos. Jogador acima dessa idade não vale nada.

OA: Por já ter 34, você já pensa em parar? Alguma ideia do que pretende fazer quando se aposentar?

RC: Por enquanto, não. No próprio Brasiliense, os preparadores físicos e os treinadores que passaram por lá, me disseram que posso jogar tranquilamente até aos 40. Mas, pelas minhas contas, pretendo atuar por mais 3 anos para poder treinar todos os dias e acompanhar o ritmo de todo mundo. Quando me aposentar, eu tenho muita vontade de ser técnico um dia.

OA: Pretende encerrar a carreira em algum clube específico? No Botafogo, América/MG, Grêmio...

RC: Isso eu não penso. No Botafogo, é lógico que eu tive meu momento de ídolo, mas eu não posso nunca me comparar a um Túlio Maravilha, a um Sérgio Manoel, Wágner, Gottardo, Gonçalves. O clube estava a quase dez anos sem ganhar o Carioca e eu joguei machucado, o certo seria não jogar, tanto que fiquei 52 dias parado depois. Isso marcou muito a torcida. Mas eu tenho humildade e sei da grandeza que eles têm e não posso me comparar. Quero parar em um time bacana, sem jogo de despedida.

OA: Você nunca foi ligado à polêmicas, que rondam o mundo dos jogadores de futebol. Como é a sua vida fora dos campos?

RC: Uma coisa que existe é a hipocrisia. Tem muito jogador que se diz evangélico, mas não sai da noite e enche a cara. Eu fico no meio termo. Apesar de ser casado e ter duas filhas, nunca deixei de sair e tomar a minha cerveja na hora certa. Aqui no Brasil, a coisa mais estranha do mundo é jogador beber e fumar. Você vai na Europa e os jogadores bebem e fumam muito mais do que os daqui. Lá, existe o profissionalismo, eles não se preocupam com a vida pessoal do jogador, só querem que ele renda dentro de campo. Eu faço tudo que uma pessoa ''normal'' faz, lógico que tenho as minhas restrições. Sou muito feliz porque sempre soube aproveitar a minha vida da melhor maneira possível.

OA: Você afirmou em uma entrevista que os técnicos Celso Roth, Mario Sérgio e Levir Culpi foram importantes por serem diretos e sem frescuras. Tem muita frescura no futebol?

RC: Futebol hoje virou um mega evento. Os clubes aprenderam a usar o marketing. Os jogadores importantes conseguem ficar aqui muito tempo. Então, está envolvendo muita coisa. Existem empresários no meio que tem jogadores, são donos de clubes, muita influência e são só os caras (agenciados) deles que entram nos times. Os empresários não estão preocupados com os clubes. Só querem mostrar o produto deles. Nesse sentido, o futebol está chato.

OA: O Grêmio prepara o seu adeus ao estádio Olímpico. Um assunto, relacionado a isso, que vem sendo muito debatido, na internet especialmente, é o fim da ''avalanche''. O que você pensa a respeito?

RC: Isso é complicado dizer. É uma característica muito forte e tradicional da Geral. A gente fica triste, mas o futebol tem que ter um crescimento. Reclamamos há muitos anos que o Brasil tem que ter estádios modernos e agora estamos seguindo essa linha. Se tivesse alguma outra forma, um consenso, criar um cantinho só para essa organizada, não sei, é difícil. A repercussão vai ser muito grande por ser uma marca registrada gremista.

OA: Falando sobre o seu último clube, o Brasiliense chegou a ter uma boa fase na Série C, mas depois acabou não conseguindo a vaga para as quartas de final. O que houve?

RC: O ano do time foi muito ruim. Cheguei lá para disputar o segundo turno. Era capitão da equipe e fiz um ótimo campeonato, mesmo ninguém esperando. Sou muito grato ao Luiz Estevão, que sempre gostou do meu futebol e pediu para que eu voltasse. Mas existe uma pessoa lá dentro que não vai com a minha cara. O Brasiliense só colheu o que ele plantou. Infelizmente, investiu em jogadores que não eram da grandeza do clube e só no returno contratou jogadores de qualidade. Eu fui um deles, que cheguei para tentar salvar, consertar a besteira que fizeram. Mas sozinho a gente não consegue fazer nada. Mesmo assim quase conseguimos a vaga depois de uma temporada horrível, devido à filosofia de trabalho que implantaram no início do ano.

OA: Algum companheiro para destacar?

RC: São muitos nomes, muita gente mesmo, mas eu posso citar o Sorín e o Alex, nos tempos de Cruzeiro. O Pintado no América/MG. No Botafogo, o Scheidt e o Dodô. No Grêmio, o Alex Mineiro, que é meu amigo até hoje. Eu só tive problema mesmo com dois técnicos. Eles serviram como aprendizado, me ensinaram o que não fazer como treinador. E como eu tenho vontade de ser, foi uma experiência.

Entrevista realizada quarta feira, dia 28/12/2012, por telefone.

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